“Dir-se-ia que, atualmente, o Estado considera cada cidadão um terrorista virtual. (...) Uma cidade cujas praças e ruas estejam controladas por câmaras não é mais um lugar público: é uma prisão."
Giorgio Agamben em Ecologia (2016, p. 199), Joana Bértholo

 

OMNISCIÊNCIA: Estratégias de fractura e fuga apresenta obras que exploram estética e conceitualmente tanto formas de vigilância tecnológica como estratégias de fuga e de rutura. Além da vertente central, artística, a exposição é composta por mais duas vertentes: a de investigação, apresentando-se como campo de estudo transversal às diferentes expressões culturais, da literatura às artes visuais; e a pedagógica, ao expor referências bibliográficas que informaram a construção concetual da exposição e diversos objetos quotidianos, que levam à reflexão e autoquestionamento sobre cada um de nós enquanto rastreadores e rastreados. A exposição apresenta a vigilância tecnológica como omnisciente, ou seja, sempre presente, invisível e protetora por um lado e por outro controladora, segregadora. A exposição possibilita o repensar da interseção entre humanos e tecnologias, inscritos em sistemas de controle e de resistência e, idealmente, cultivar o sentido de responsabilidade individual e coletivo.

 

O nosso mundo é feito de comunicação: falamos, escrevemos, lemos, vemos... e para todas estas atividades desenvolvemos equipamentos e estruturas. No romance Ecologia (2018), a escritora Joana Bértholo descreve uma sociedade — em muito semelhante à nossa — em que a ubiquidade tecnológica articula as inteligências humana e artificial/máquina, enquadrando todas as ações (públicas e privadas) na circulação de capital. Nesse mundo projetado no futuro, o uso das palavras é um serviço: paga-se para usar a palavra, seja ela escrita ou falada. No nosso presente, à semelhança deste universo ficcional, a produção começa pela matéria-prima. A extração e processamento dos dados que geramos, tanto nas nossas comunicações virtuais como nas nossas ações físicas, pelo uso dos nossos equipamentos pessoais, domésticos ou em espaço público, tornou-se mais valiosa do que o petróleo. Todos nós representamos dados transacionáveis e rentáveis. Na passagem da modernidade para a contemporaneidade, transitamos para o que Gilles Deleuze (1992) define como uma “sociedade de controlo”, um controlo aberto e contínuo, expandido para o campo social e de produção. Além da vigilância constante, concretizada pela propagação de câmaras espalhadas por toda a parte - espaços fechados e abertos, públicos e privados - cada um de nós transporta uma câmara diariamente, regista os outros, regista-se (ou vigia-se) a si próprio, partilha os seus interesses, os lugares que frequenta, as atividades que desenvolve, os produtos que consome. Participantes de uma sociedade auto-vigiada, estreitamos a ligação entre economia e ecologia. Ecologia, então, não é mais a relação dos seres humanos com o seu meio natural, mas com o seu meio económico-cultural. Se a omnisciência tecnológica parece inevitável, a exposição procura fugir a um certo “determinismo tecnológico”, quer mostrando obras que tornam consciente e refletem sobre esta vigilância ubíqua, quer colocando em evidência estratégias de Fractura e Fuga a esta omnisciência tecnológica. A exposição ambiciona assim abordar três vertentes: i) de investigação, abrindo possibilidades para repensar a interseção entre humanos e tecnologias, em particular sistemas de controlo e de resistência; ii) pedagógica, ao expor referências bibliográficas que informaram a construção conceitual da exposição e diversos objetos quotidianos, acompanhados de um texto descritivo, que levam à reflexão e auto-questionamento sobre cada um de nós enquanto rastreadores e rastreados e, idealmente, cultivando um sentido de responsabilidade no público; iii) artística, ao apresentar obras que exploram esteticamente e conceptualmente tanto formas de vigilância como estratégias de ruptura, na interseção entre teoria e prática, vigilância e liberdade.

Voltar